Transferência das ações da Eldorado Celulose para a Paper Excellence, como está, desafia a Constituição brasileira, escreve Carol Proner.

Texto Originalmente Publicado no Poder360 – Carol Proner | Uma questão de soberania (poder360.com.br)

Em tempos de reivindicação soberana, diante dos ataques desferidos por certos empresários estrangeiros contra o Poder Judiciário e o sistema democrático do país, temos a oportunidade de exercer uma altivez generalizada, aplicada a todas as contendas que envolvem interesses nacionais, e não só aos episódios mais evidentes de ingerência e desestabilização.

Essa valorização da soberania como princípio e fim deve prevalecer como forma estratégica de pensar os interesses de um Estado que se respeita, a começar pela valorização dos órgãos e poderes que o constituem, do corpo funcional e da capacidade técnica de tomar decisões, confiando nos ritos e procedimentos de direito público como regentes de ações com integridade constitucional.

Um bom exemplo pode ser a disputa bilionária pela Eldorado Celulose, um dos mais impactantes conflitos jurídicos do país, que reúne interesses privados multinacionais diversos, mas que raramente é vista pelas consequências ao interesse público.

Uma recente decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região trouxe questões de soberania nacional relacionadas ao caso. Por unanimidade, os desembargadores federais decidiram suspender a transferência das ações da Eldorado Brasil Celulose para a Paper Excellence, empresa estrangeira, pertencente ao sino-indonésio Jackson Wijaya, até o julgamento final de uma ação popular que busca a declaração da nulidade imposta em lei em face do contrato de compra e venda firmado em 2017.

Para além do litígio propriamente dito, o que se decide em sede recursal, e por unanimidade, é respeitar os ritos de um processo administrativo para a obtenção da autorização prévia de compra ou arrendamento de terras por estrangeiro junto ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), bem como a submissão da devida forma junto ao Congresso, conforme legislação constitucional e infraconstitucional fartamente específica.

Em meio a declarações contundentes nos press releases da empresa de Jackson Widjaja, que beiram a ameaça ao Estado brasileiro e suas instituições, o cerne da questão não é o investimento estrangeiro em si, este sempre muito bem-vindo, mas um caso específico de desrespeito às leis do país. Trata-se de uma empresa multinacional estrangeira que, mediante capacidade financeira, ousa desafiar um conjunto consistente de normas, instruções, manuais e formulários que, ao longo dos anos, garantiram a preservação dos interesses territoriais e de defesa nacional do Brasil.

O embate Paper Excellence versus Brasil não é só uma disputa pela prevalência da Constituição. Não se trata apenas de respeito às regras de aquisição e arrendamento de terras por estrangeiros, aos pareceres da Advocacia Geral da União, a curadoria do Incra, as manifestações do Ministério Público Federal, os precedentes dos tribunais brasileiros e as normas do CNJ. No cerne desse caso, encontra-se a história de um único empresário estrangeiro, já questionado em outros países, que, considerando-se acima das leis e dos demais investidores que seguem rigorosamente a legislação, ignora mais de 5 décadas de direito aplicado, acreditando que seus interesses particulares superam os interesses nacionais.

Apesar das alarmantes notas de imprensa na cobertura do caso, as consequências do descumprimento da lei, abertamente admitido pela Paper Excellence, estão fundamentadas na legislação. Quanto ao tratamento do caso pelas instituições brasileiras, não há nada de surpreendente ou inédito. O rigor e a imparcialidade com que as autoridades brasileiras lidam com esse tipo de situação apenas refletem o compromisso com o Estado de Direito e a legalidade.

Para quem considera esses argumentos excessivamente nacionalistas, é preciso dizer que a legislação nacional concilia plenamente o interesse do capital estrangeiro em diversas modalidades. São inúmeras as formas pelas quais a aquisição, o arrendamento de terras e as transações negociais podem ser devidamente concluídas entre nacionais e estrangeiros, sempre e quando respeitarem as regras soberanas do país.

A postura desafiante à ordem constitucional merece dura resposta das instituições e do Estado brasileiro. Quando um indivíduo se recusa a submeter-se às leis que regem o país, não apenas desafia a autoridade estabelecida, mas também coloca em risco a estabilidade e a previsibilidade, princípios essenciais para a credibilidade das transações econômicas internacionais. Nesse embate, ou vence o Brasil, ou perdemos todos.

Carol Proner

Carol Proner é advogada, professora, articulista e consultora jurídica com 20 anos de experiência. Sócia-fundadora da Carol Proner & Advogados Associados, é Doutora em Direito pela Universidade Pablo de Olavide na Espanha.