A situação de crise, extremamente agravada pelos embargos econômicos, deve ser resolvida no âmbito interno de um país soberano”, escreve Carol Proner.
Texto originalmente publicado no Brasil 247 – Venezuela sem autoritarismo | Brasil 247
A imprensa hegemônica no Brasil está em surto desde que ocorreram as eleições na Venezuela. Diante do impasse na divulgação das atas, tudo o que importa é que o ditador seja extirpado do poder para que os brasileiros possam viver em paz. Dadas as circunstâncias, o desfecho venezuelano também é o principal assunto nos círculos da esquerda, com opiniões de todas as cores.
Coloridas também foram, e ainda são, as estratégias para desequilibrar governos em diversos lugares do mundo. As chamadas revoluções de cores, desenvolvidas no espaço pós-soviético sob pretexto de derrubar regimes autoritários, incluíam táticas não violentas de resistência, discurso democratizante, liberalizante e pró-ocidental. Foram consideradas bem-sucedidas na Iugoslávia, na Georgia, na Ucrânia, no Quirguistão, no Líbano, na Tunísia, no Egito, no Yemen e na Armênia. Outras várias tentativas foram frustradas, mas ajudaram a aprimorar os métodos de ingerência civil-militar externa suave por meio das tecnologias e da ciberguerra, combinando táticas jurídicas (lawfare), diplomáticas e campanhas midiáticas para instalar a desinformação e a desconfiança em processos eleitorais contra líderes e partidos considerados alvos.
Sempre haverá quem argumente que são meras conjecturas da conspiração, mas deveríamos lembrar dos fatos ocorridos na Bolívia durante as eleições de 2019 e comparar com o que ocorre atualmente na Venezuela. Precedida de uma campanha extremante racista contra o povo andino, impulsionada por milhares de contas falsas no Twitter acusando Evo Morales de assassino, corrupto e narcotraficante, as eleições bolivianas de 10 de novembro de 2019, vencidas pelo partido MAS (Movimento ao Socialismo), foram repudiadas pela oposição com acusações de fraude na contagem dos votos. No mesmo dia da apuração, diante de resultados ainda provisórios anunciados pelo Tribunal Supremo Eleitoral, que indicava a vitória de Evo Morales com mais de 10 pontos de diferença, a Organização dos Estados Americanos e a União Europeia precipitaram-se em questionar a regularidade do pleito, posicionamento que serviu de combustível para a onda de violência e terror que obrigou o candidato vencedor a sair do país para evitar ser assassinado. Como resultado da grave ingerência externa em nome da democracia, instalou-se o governo interino de Janine Añez que, durante um ano, facilitou contratos de privatização e rapinagem das riquezas bolivianas.
Assim como na Bolívia, nas últimas décadas ocorreram diversos outros casos que ilustram fatores de desestabilização programática no México, na Argentina, no Equador, na Colômbia, no Peru, na Guatemala e mesmo na Venezuela, muitos que inclusive estão em curso, mas não precisamos ir a outros países para entender como ocorrem os tais “golpes não tradicionais” que, aliados às elites entreguistas em cada caso, provocam a tempestade perfeita. Basta olhar para o Brasil a partir de 2013 ou mesmo antes. Ainda que fatores de ingerência internacional não apareçam como tão evidentes, a interferência estrangeira sempre esteve nas entranhas programáticas da desestabilização brasileira, seja na cooperação e treinamento militar, judicial e diplomático, nas manifestações de rua desejando a volta dos militares contra um governo civil de esquerda, ou no uso ensaiado do verde-e-amarelo em carros de som financiados por novos partidos, e em tudo o que se seguiu: impeachment sem lastro no direito, governo Temer “trocando o regime”, desestatizando e reformando o conteúdo social da Constituição, prisão do “Lula-ladrão” e eleição de Jair Bolsonaro, tudo em meio a uma campanha de desinformação, fakenews, ciberataques e do uso indevido do direito (lawfare) para acusar, processar e prender líderes, desestruturar empresas, eliminar empregos e atacar a soberania política e institucional do país.