No mundo da máfia o primado é o silêncio.

Ao tempo em que o silêncio é atributo associado à humildade e à solidariedade na preservação do espírito de corpo, a omertà é também condição de sobrevivência e se exprime numa regra de vida ou morte: não falar, não expor e, imperativamente, não cooperar com autoridades mesmo quando sob pressão de uma acusação ou processo injusto.

Em perfeito funcionamento, a omertà garante a teia de cumplicidade. Nas adaptações milicianas dos pactos de sangue, bem distantes da Cosa Nostra siciliana, o que prevalece como instrumento de coesão dos bandos não é o código de honra, mas o medo. São os jogos psicológicos, as ameaças e a truculência que garantem o silêncio, sempre como passo prévio ao fatídico castigo.

Há quem sustente que a ex-cunhada corre perigo. Andrea Siqueira Valle falou demais, vacilou, contou a uma terceira pessoa o esquema original da familícia e expôs o feito das rachadinhas envolvendo diretamente o Presidente da República. Ao ser procurada, Andrea evitou a imprensa, silenciou. Mas um áudio foi exposto.

Inevitável pensar em Adriano da Nóbrega como queima de arquivo, ou na morte do ex-ministro Gustavo Bebianno que, após rompimento com Jair Bolsonaro, alertou que sua vida corria perigo. Bebianno gabava-se de uma tal carta-bomba contendo os bastidores das eleições de 2018 e morreu aos 56 anos após sofrer um infarto enquanto dormia.

O ex-governador Wilson Witzel, antigo aliado de Bolsonaro, também tornou público o risco de vida. Recentemente denunciou, na CPI da pandemia, que a desgraça de Bebianno estava associada ao esquema de milícias em hospitais federais do Rio de Janeiro e prometeu mais detalhes em audiência reservada.

A omertà diria: cuidado, ex-governador, também é proibido interferir no negócio dos outros. Mas, pelo andar da carruagem e com o isolamento do governo, o temor corporativo dá lugar a outras razões. De pessoas de bem a predestinados, a política fornece saídas para os arrependidos. Nos próximos meses e anos serão muitos os áudios e vídeos e as testemunhas a ilustrar a decadência de um país que permitiu a chegada de miliciano genocida ao poder.

Enquanto isso, a sociedade reage e toma as ruas para fazer o que as instituições não fazem. É extremamente constrangedora a postura do procurador-geral da República aguardando o melhor momento para exercer o mandato constitucional. E o superimpeachment cai como uma bomba no colo do presidente da Câmara, expondo interesses espúrios. Mas tenhamos paciência, afinal o Ministro Roberto Barroso acaba de descobrir que foi golpe.

Artigo publicado originalmente no Brasil 247.

Carol Proner

Carol Proner é advogada, professora, articulista e consultora jurídica com 20 anos de experiência. Sócia-fundadora da Carol Proner & Advogados Associados, é Doutora em Direito pela Universidade Pablo de Olavide na Espanha.