Há alguns dias fui ao browser do computador atrás de um aplicativo chamado Mobile Verification Toolkit (MVT), um programa desenvolvido pelo setor de Tecnologia da Informação da Anistia Internacional feito com o objetivo de identificar se um aparelho celular está infectado pelo programa de espionagem Pegasus, software israelense do NSO Group que permite invadir telefones celulares e acessar a câmera, o microfone, os documentos, os contatos, a localização, praticamente todos os dados da vida de uma pessoa.

Perdi vários minutos e interrompi a busca por dois motivos: primeiro, e mesmo sendo um aplicativo de código aberto, o processo exige conhecimento técnico e requer auxílio de um especialista em TI. E também porque seria um despropósito agentes públicos ou privados monitorarem professores universitários quando há tantos alvos mais estratégicos.

Mas este é o mundo em que vivemos. Quando recebemos uma mensagem do além ou um telefonema surdo, apitam as sentinelas da paranoia em “um mundo vigiado”, como diria o sociólogo francês Armand Mattelart, sem contar que 80 jornalistas de 17 grupos de mídia de dez países se uniram para criar um rastreador do Pegasus e esse fato demonstra que talvez não seja tão exagerado manter o telefone dentro do micro-ondas durante uma reunião, mesmo aquela de família.

Os advogados do ex-presidente Lula, que já foram alvo de monitoramento clandestino, protocolaram nesta semana um novo pedido junto ao STF para esclarecer se o consórcio de Procuradores Federais, liderados por Deltan Dallagnol, cometeu mais essa ilegalidade no uso do sistema Pegasus, conforme indica conversa de 31 de janeiro de 2018 e que registra a oferta da referida empresa às operações do Rio de Janeiro e de Curitiba.

Aparentemente o MPF do RJ caiu em tentação e operou um imenso malabarismo jurídico para ter acesso ao Pegasus. Considerando que a empresa israelense afirma só negociar com governos, o MPF do Rio teria encontrado um jeitinho de evitar a licitação e desembaraçar uma “doação” do software espião por “altruísmo” de um colaborador da Lava Jato. E a doação, segundo interpretação exótica da lei que trata de lavagem de dinheiro, teria sido recepcionada pelo MPF fluminense por intermédio da cláusula de “perdimento” (art. 7º da Lei 9.613/1998).

Um caso semelhante envolvendo o Pegasus tem sido enfrentado pelo México. O governo de Lopes Obrador tenta avançar nas investigações e, apesar das resistências corporativas, já se sabe que o programa foi utilizado clandestinamente durante os governos de Felipe Calderón e de Enrique Peña Nieto, que foi adquirido pela Promotoria Geral da República (PGR) e pelos serviços de inteligência e utilizados contra jornalistas críticos ao Governo, como Carmen Aristegui, e os advogados da equipe jurídica das famílias dos 43 estudantes desaparecidos de Ayotinapa.

As investigações do Instituto Nacional de Acesso à Informação (INAI) do México detectaram diversas irregularidades e indicaram que foram gastos pelo menos 32 milhões de dólares com espionagem. Questionada, a PGR mexicana informou que havia desinstalado o programa, mas essa solução não é tarefa simples, já que as informações e os dados espionados podem ter sido usado em investigações, procedimentos penais e até como provas em decisões judiciais.

Tanto no México quanto no Brasil o elemento comum no uso do Pegasus parece ser, além das irregularidades na aquisição pelo poder público, o desvirtuamento no uso de um equipamento destinado a combater organizações criminosas e o terrorismo. O uso clandestinos em mãos autoritárias é absolutamente conveniente para a prática das chamadas guerras jurídicas contra opositores e inimigos políticos.

Tanto lá quanto aqui as sociedades precisam se perguntar como foi que sistemas de fiscalização pública se transformaram em instrumentos antidemocráticos e contrários à participação popular. Como foi que o Ministério Público chegou a esse delírio de autonomia que ainda persiste no comportamento de alguns integrantes. Ou acaso o lavajatismo acabou com a anulação dos processos contra Lula?

No caso brasileiro, é imperativo que a Procuradoria-Geral da República e a Corregedoria-Geral do Ministério Público Federal se manifestem sobre este escandaloso caso envolvendo o Pegasus. Ao mesmo tempo, é condição democrática e de futuro que a sociedade brasileira conheça o modus operandi da Lava Jato, seus excessos e abusos para que o maior escândalo judicial da história do país possa ser superado.

Artigo publicado originalmente no Brasil 247.

Carol Proner

Carol Proner é advogada, professora, articulista e consultora jurídica com 20 anos de experiência. Sócia-fundadora da Carol Proner & Advogados Associados, é Doutora em Direito pela Universidade Pablo de Olavide na Espanha.