Estamos ainda em meados de fevereiro de um ano eleitoral que promete estabelecer uma clivagem, um marco entre o antes e o depois dado o potencial do que ficará para trás nesse Brasil infernal e do que poderá ser reconstruído.

E mesmo com meses até as eleições, dois entendimentos de unidade ganham força: o de que Bolsonaro deve ser derrotado seja como for e o de que Lula deve ser eleito logo no primeiro turno.

Chamou a atenção um recente manifesto unindo intelectuais, artistas e políticos não petistas defendendo a vitória do ex-presidente em um único turno, um “Manifesto pelo Brasil”, como diz o chamamento, contra o abismo, contra o negacionismo e a favor da normalização institucional e democrática do país.

Quem diria que isso poderia acontecer há dois anos, quando ainda prevalecia a farsa da Lava Jato e Lula era visto como o inimigo número 01 a ser combatido.

E por falar em farsas e golpes, há duas variáveis que praticamente não se alteraram desde 2016: uma tragicômica, o desempenho medíocre de Sérgio Moro que, mesmo pulando de galho em galho entre profissões e apoiadores, constrange aliados e provoca risos de adversários sempre que se manifesta. E outra mais perigosa, a variável “Centrão” que, como um camaleão, atravessa incólume as crises institucionais.

Sérgio Moro, como se vê, não decola, não convence, não arbitra mais nada e está em franca desintegração como presidenciável: de ex-juiz, passando por ex-ministro e ex-advogado, logo será ex-pré-canditato.

Já o Centrão, essa massa amorfa de interesses antinacionais, aproveitando-se do alheamento provocado pelos ajustes eleitorais deste início de ano, permanece firme na articulação de pautas daninhas aos interesses da sociedade, como se pode comprovar com a recente aprovação, na Câmara dos Deputados, do chamado Pacote do Veneno (PL 6299/2002).

Muitas pautas são agressivas e violentas, mas este conjunto de mudanças legislativas na área agroambiental e de saúde é espantoso. Nos últimos 3 anos, o Governo Bolsonaro liberou 1.500 novos agrotóxicos e concedeu isenção de mais de 14 bilhões de reais para o setor do agronegócio.

O apelidado “Pacote do Veneno” aprovado na Câmara por 305 votos contra 150, é a cartada final e agora segue para o Senado. O projeto escamoteia a palavra “agrotóxico”, substituindo-a por “pesticida” e elimina o poder de veto da Anvisa e do Ibama no controle dos químicos, atribuindo ao Ministério da Agricultura a palavra final para a aprovação das substâncias.

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo e os efeitos para a saúde são diretamente proporcionais, como demonstram os cada vez mais frequentes casos de intoxicações crônicas, infertilidade, impotência, abortos, malformações, doenças provocadas pela desregulação hormonal, isso sem falar nas doenças neuropáticas e nas cancerígenas. Alguns venenos liberados nos últimos anos já haviam sido proibidos pela Anvisa, como é o caso do herbicida Paraquat que, mesmo associado à doença de Parkinson, teve seu uso reavaliado e liberado.

São muitos detalhes venenosos que esse PL apresenta e lamentavelmente, na distração da pauta eleitoral, vamos sendo intoxicados quando respiramos, quando bebemos água ou comemos qualquer alimento e quando fazemos política pensando num futuro que está sendo definido agora, com a aprovação do Pacote do Veneno e de outros projetos legislativos que destroem a capacidade soberana da vida em sociedade.

Artigo publicado no Último Segundo do portal iG. Foto: Creative Commons

Carol Proner

Carol Proner é advogada, professora, articulista e consultora jurídica com 20 anos de experiência. Sócia-fundadora da Carol Proner & Advogados Associados, é Doutora em Direito pela Universidade Pablo de Olavide na Espanha.